sábado, 8 de fevereiro de 2020

O FUTURO DA COMIDA - 5 PASSOS PARA ALIMENTAR O MUNDO

O FUTURO DA COMIDA: CINCO PASSOS PARA ALIMENTAR O MUNDO - JONATHAN FOLEY


          Embora as pequenas propriedades sejam menos produtivas que as do agronegócio, elas geram maior proporção de alimentos para o consumo humano
                                                                              Jonathan Foley

        Onde encontrar comida para 9 bilhões de pessoas?
        Ameaças ao meio ambiente costumam ser logo associadas à fumaça emitida por carros e chaminés – jamais a almoços e jantares. Nossa fome, porém, tem sido um perigo para a natureza.
        A agricultura está hoje entre os maiores responsáveis pelo aquecimento global por lançar na atmosfera uma quantidade de gases associados ao efeito estufa maior que a de todos os carros, caminhões, trens e aviões juntos – sobretudo sob a forma de gás metano (produzido na digestão do gado e em plantações de arroz), do óxido nitroso (oriundo dos campos cultivados) e do dióxido de carbono (liberado pelo desmatamento em regiões tropicais com o objetivo de abrir novas plantações e pastagens). O setor agrícola é o maior usuário dos nossos preciosos suprimentos de água doce e um dos maiores poluidores, na medida em que a drenagem de água, mesclada a fertilizantes e excrementos, perturba o frágil equilíbrio de lagos, rios e ecossistemas litorâneos em todo o mundo. A atividade também contribui para a perda de biodiversidade. Sempre que a fronteira agrícola avança sobre campos e florestas, estamos destruindo habitats cruciais.
        Os desafios ambientais postos pela agricultura são imensos e tendem a ficar mais urgentes à medida que nos empenhamos em satisfazer a fome crescente no planeta. Vamos ter mais 2 bilhões de bocas para alimentar até meados deste século – seremos 9 bilhões de pessoas. O mero crescimento demográfico não é o único motivo de necessitarmos de mais comida. A redução da pobreza ao redor do mundo, sobretudo na China e na Índia, levou ao crescimento da demanda por carne, ovos e laticínios, assim como ao aumento da pressão para cultivar mais milho e soja, essenciais na manutenção dos rebanhos de vacas, porcos e galinhas. Confirmando-se tais tendências, até 2050 será preciso nada menos que dobrar a quantidade de alimentos cultivados na Terra.
        Infelizmente, a discussão sobre a melhor maneira de enfrentar o desafio global dos alimentos tornou-se polarizada demais. Opõe de um lado a agricultura convencional e o agronegócio global e, de outro, os métodos e os produtores dedicados aos cultivos locais e orgânicos. Modernas técnicas de mecanização e irrigação, fertilizantes e sementes geneticamente modificadas podem aumentar a produção. Se priorizados nas políticas de governos, sitiantes também poderiam produzir mais – sem recorrer a aditivos sintéticos.
        Todos os argumentos estão certos. E, no fim das contas, não é preciso decidir entre uma coisa e a outra. Há acertos e erros dos dois lados. O mais sensato seria que explorássemos todas as boas ideias, o melhor de ambas as posições.
        Eu tive o privilégio de liderar um grupo de cientistas no exame de uma questão simples: de que maneira o mundo pode duplicar a oferta de alimentos e, ao mesmo tempo, reduzir os danos ambientais? Concluímos que, cumprindo cinco etapas, será viável solucionar o dilema.

        PRIMEIRO PASSO Interromper o aumento do impacto ambiental da agricultura.
        Ao longo de quase toda a história, sempre que se colocava a questão de obter mais comida, derrubavam- se florestas ou semeavam-se campos de pastagens, ampliando assim a área de cultivo. Hoje reservamos no mundo para as plantações uma área mais ou menos equivalente à de toda a América do Sul. Para criar animais, usamos uma quantidade de terras ainda maior – uma área similar à da África. O impacto da agricultura já resultou na perda de ecossistemas de uma extremidade a outra do planeta, entre os quais as pradarias na América do Norte e a Mata Atlântica no Brasil. Não temos mais condições de aumentar a área de cultivo. Substituir a floresta tropical por áreas agrícolas é uma das coisas mais destrutivas que podemos fazer em relação ao ambiente – e raras vezes isso ocorre em benefício dos 850 milhões de pessoas que ainda passam fome no mundo. A maior parte da terra desmatada nos trópicos não contribui para a segurança alimentar global: em vez disso, acaba sendo destinada à criação de gado, ao cultivo de soja para a produção de rações animais, assim como para o aproveitamento da madeira e do óleo de palma. Impedir o desmatamento deveria ser uma prioridade absoluta no mundo atual.

        SEGUNDO PASSO Aumentar a produtividade das plantações existentes.
        A partir da década de 1960, a “revolução verde” ampliou a produtividade agrícola na Ásia e na América Latina graças a variedades aperfeiçoadas de sementes e ao uso intensivo de fertilizantes, irrigação e mecanização – ainda que com altos custos ambientais. Hoje o mundo pode se concentrar em obter melhores resultados em terrenos menos produtivos – sobretudo na África, na América Latina e no Leste Europeu –, onde ainda há “hiatos de produtividade” entre os níveis atuais e o que daria para obter com melhores técnicas agrícolas. Com uso de métodos de cultivo de tecnologia avançada e de grande precisão, assim como de abordagens desenvolvidas na agricultura orgânica, seria possível multiplicar várias vezes a produtividade nessas regiões.

        TERCEIRO PASSO Uso eficiente dos recursos.
        A revolução verde dependia do uso intensivo – e insustentável – da água e de produtos químicos obtidos de combustíveis fósseis. No entanto, a agricultura comercial vem passando por avan­ços enormes, encontrando maneiras inovadoras de aplicar fertilizantes e pesticidas de forma mais precisa graças a tratores dotados de equipa­mentos computadorizados, sensores avançados e aparelhos de GPS. Muitos cultivadores aplicam misturas de fertilizantes exatamente apropriadas às condições peculiares do terreno, o que ajuda a minimizar a contaminação por substâncias químicas das vias fluviais próximas.
        O cultivo orgânico também reduz o uso de água e produtos químicos, ao fazer uso de cultu­ras de cobertura, de acolchoados e de composta­gem para melhorar a qualidade do solo, diminuir a perda da água e assegurar a contenção de nu­trientes. Sitiantes passaram a ter mais cuidado com a água, substituindo sistemas de irrigação pouco eficientes por outros mais precisos, como a irrigação por gotejamento sob a superfície.

        QUARTO PASSO Mudanças na dieta.
        Vai ser mais fácil alimentar 9 bilhões de pessoas se uma proporção maior das safras hoje cultiva­das servir para a nutrição humana. Apenas 55% das calorias presentes em safras agrícolas atuais seguem para a mesa das pessoas. O restante vira ração para animais (cerca de 36%) ou então se converte em biocombustíveis e produtos indus­triais (por volta de 9%). Embora muitos de nós consumamos carne, laticínios e ovos de animais criados em estábulos fechados, apenas uma fra­ção das calorias existentes nas rações proporcio­nadas aos rebanhos acaba na carne e no leite que chegam à nossa mesa. Para cada 100 calorias, nos grãos, com as quais alimentamos os ani­mais, obtemos apenas 40 novas calorias no leite, 22 nos ovos, 12 na carne de frango, 10 na de por­co e meras 3 calorias na carne bovina. Encontrar formas mais eficientes de criar gado e adotar die­tas com menos carne poderia liberar quantida­des substanciais de comida ao redor do mundo. Uma vez que, nos países em desenvolvimento, é improvável que as pessoas passem a comer menos carne no futuro próximo, dada a recente melhoria em seu nível de vida, poderíamos nos concentrar antes nos países já habituados a essa dieta. A redução do cultivo de safras para a pro­dução de biocombustíveis também seria um jeito eficaz de ampliar a disponibilidade de alimentos.
        QUINTO PASSO Diminuir o desperdício.
        Estima-se que um quarto de todas as calorias nos alimentos do mundo e até metade do peso total dos alimentos sejam perdidos ou desperdiçados antes mesmo de chegar aos consumidores. Nos países ricos, boa parte desse desperdício ocorre em residências, restaurantes e supermercados. Nos países mais pobres, o alimento em geral se perde no caminho entre o produtor e o mercado devido à precariedade do armazenamento e do transporte. No mundo desenvolvido, os consu­midores poderiam reduzir o desperdício por meio de iniciativas simples e fáceis, como servir porções menores, reaproveitar as sobras e incen­tivar lanchonetes, restaurantes e supermercados a tomar medidas contra o desperdício.
        EM CONJUNTO, essas cinco etapas poderiam mais do que duplicar o suprimento de comida e redu­zir o impacto da agricultura sobre o ambiente em todo o mundo. Mas não vai ser fácil. Essas iniciativas requerem uma grande mudança de mentalidade e de comportamento. Ao longo de quase toda a história, ficamos ofuscados pelo im­pulso desenfreado de sempre extrair mais da ter­ra – desmatando cada vez mais, cultivando áreas maiores, consumindo recursos sem parar. Temos de achar uma forma de conciliar a necessidade de produzir mais alimentos com a preservação do planeta para as gerações futuras.
        Este é um momento crucial, no qual enfrenta­mos ameaças sem precedentes para a segurança alimentar e a preservação do ambiente. A boa notícia é que sabemos o que nos cabe fazer. Pre­cisamos agora achar uma maneira de realizar isso. Enfrentar os desafios alimentares globais vai exi­gir de todos um maior cuidado com a comida que colocamos no prato. Teremos de estabelecer a ligação entre o alimento e aqueles que o pro­duzem e também entre o alimento e a terra, as bacias fluviais e o clima, que nos garantem a vida. Enquanto empurramos os carrinhos por entre as gôndolas dos supermercados, as escolhas que fi­zermos vão ajudar a definir o nosso futuro.
                                          

National Geographic, dezembro 2018